domingo, 18 de abril de 2010

Com ela, meninas cegas se tornam bailarinas




Com ela, meninas cegas se tornam bailarinas
Aos 31 anos, após formar quase 300 crianças, Fernanda Bianchini vê seu trabalho de 15 anos se espalhar pelo Brasil e ganhar reconhecimento internacional

17 de abril de 2010 : 19h 47

Quando viu suas meninas dançando no palco do Teatro Municipal, em 2005, a bailarina Fernanda Bianchini desabou em lágrimas. Em rede nacional, seu choro pôde ser visto ao vivo no Domingão do Faustão, da TV Globo, onde mostraram a cena para ela em um telão. "Nunca pensei que chegariam tão alto", lembra. "Quando comecei a dar aulas a crianças cegas, me desmotivaram. Minhas professoras de balé diziam que elas não aprenderiam." Hoje, Fernanda fala com orgulho: "Essas jovens conquistaram mais que a maioria das profissionais."

Além de se apresentarem no Municipal, suas bailarinas cegas tocaram os pés do letão Mikhail Baryshnikov (ícone dessa arte que visitou o grupo em 2007), abriram um espetáculo do americano David Parsons, fizeram 1.950 apresentações, dançaram com a carioca Ana Botafogo e foram retratadas em um livro sobre o grupo dinamarquês The Royal Danish Ballet. As aulas de Fernanda resultaram em um método de ensino imitado por professores do Rio, de cidades do interior do Estado e de Manaus. Há planos de levar a fórmula para Goiânia e para o Rio Grande do Norte.

Com sua Associação de Balé e Artes, sediada na Vila Mariana, Fernanda deu aula, sempre como voluntária, para quase 300 crianças e adolescentes deficientes em 15 anos de trabalho, celebrados anteontem. O grupo ensaia um espetáculo para comemorar a data no fim do ano. "Temos a convicção de que em breve as meninas irão dançar em palcos no exterior", sonha Fernanda. "Seremos ainda maiores."

Começo

Fernanda nasceu em São Caetano do Sul, no ABC Paulista, há 31 anos. Entrou para o balé aos 3 anos de idade. "Gostava e era dedicada, mas não passava de mediana", confessa. "Não iria longe. Ao menos, não tanto quanto cheguei com minhas alunas."

A guinada em sua vida ocorreu em abril de 1995, quando freiras do Instituto de Cegos Padre Chico fizeram a proposta para a então adolescente, de 15 anos: "Por que você não dá aulas de balé para nossas crianças?"

Ensinar piruetas, plié e outros movimentos para garotas cegas, porém, assustou a jovem. "Recorri às minhas professoras para saber se isso era possível", recorda. "Elas me desanimaram, dizendo que a dança era visual, pois o aluno tem de imitar os movimentos do professor." Fernanda pensou em desistir. Mas seus pais a motivaram. Disseram que, para evoluir, ela tinha de aceitar os desafios.

As dificuldades foram muitas. "Não tinha ideia de como mostrar um passo, o movimento certo dos braços", lembra. As soluções costumavam vir das estudantes. "Foram elas, por exemplo, que apontaram que era ineficiente eu indicar as posições só mexendo no corpo delas", afirmam. "As alunas pediram, então, para tocar meu corpo enquanto eu fazia cada passo."

Para mostrar como o braço deveria fluir, Fernanda foi criativa. "Estava angustiada e cheguei a pensar em largar tudo", conta. "Tinha quase certeza de que seria impossível elas dançarem como profissionais, devido às limitações dos movimentos dos braços." A solução surgiu em um sonho. Durante o sono, a bailarina se viu sem os braços. No lugar dos membros, tinha folhas de palmeiras que balançavam graciosamente.

No dia seguinte, ela pegou várias dessas folhas, levou para sua aula e amarrou nos braços de suas discípulas. "Disse que deveriam dançar sem deixar as folhas desgrudarem dos membros", recorda. Deu certo. "Esse é um dos métodos de uma técnica de ensino que depois formulei em meu mestrado."

Além de dançarina, ela se formou em fisioterapia, fez pós-graduação e mestrado. Seu método de aulas para pessoas cegas hoje se espalha pelo País.

Fama

Em 2003, Fernanda se desvinculou do Padre Chico e montou a sede de sua associação. "Ampliei o trabalho", diz. "Antes, só podia ensinar alunos do instituto. Agora, aceito qualquer deficiente ou criança carente." Atualmente, ela e outros seis professores (incluindo duas cegas) dão aulas de balé, sapateado e outras artes para cinquenta interessados.

A associação ganhou fama em 2005. O grupo apareceu no Domingão do Faustão e na novela América, da TV Globo. Depois, Baryshnikov quis conhecer a escola e as bailarinas se apresentaram no mineiro Palácio das Artes.

"Fazemos até 20 espetáculos por mês", destaca Fernanda. Por apresentação, o grupo ganha cerca de R$ 4 mil. O dinheiro paga o cachê das alunas, de seus parceiros (os homens enxergam) e ajuda a organização, que tem uma despesa mensal de R$ 15 mil – quitada com doações e patrocínios. Fernanda não lucra com o trabalho.

"Quando criança, sonhava em ser bailarina", diz Geyza Pereira, aluna há 15 anos e professora da associação. "Mas perdi a visão aos 9 anos e achei que, por isso, nunca dançaria. Foi a Fernanda que me mostrou que eu podia, sim, buscar minha ambição."