terça-feira, 28 de julho de 2009

São Paulo: Exposição, seminário e mostra de filmes colocam Butô e Movimento Neoconcreto lado-a-lado


Rita Solimeo Marin 
escreveu   


SESC Consolação apresenta
A Revolta da Carne: Diálogos Brasil - Japão
Exposição – Seminário – Mostra de filmes

 
Projeto comemora os 50 anos da criação do Butô e da publicação do manifesto Neoconcreto e pretende discutir lada-a-lado estas experiências radicais brasileiras e japonesas, buscando o conhecimento e o entendimento da história e do corpo contemporâneo.
 
 "Revolta da Carne" foi um espetáculo de Tatsumi Hijikata  recebido no
Japão como uma forma de dança inovadora e única. Por testar
o corpo em seus limites, estava conectado a outros movimentos
radicais que aconteceram na Europa e na América do Norte no
mesmo período, tais como o denominado "acionismo vienense"
em particular de
Gunter Brus e as performances de Joseph
Beuys
e do Living Theater em NY.

Em 1959, dois movimentos artísticos propuseram uma revolução na arte do corpo e seus estudos, sob a influência francesa.
O primeiro aconteceu em Tóquio durante os anos 50 e foi originalmente chamado de
ankoku butô ou dança das trevas. Influenciado pela literatura francesa considerada maldita, como George Bataille, Céline , Lautreamont  e  o teatro da crueldade de Antonin Artaud, o dançarino e escritor Tatsumi Hijikata (1928-1986) foi o criador deste movimento e uma das principais figuras da vanguarda japonesa nos anos 60 e 70.
No mesmo período, no Brasil, o poeta
Ferreira Gullar fez seu manifesto da Arte Neoconcreta, inspirando artistas como Helio Oiticica e Lygia Clark. Este movimento/manifesto questionava a ideia da representação na arte e  apropriando-se de noções estéticas universais, conectava-as à vida e ao corpo, criando uma rede de relações entre os espaços internos e externos do corpo. Tanto Oiticica e, principalmente, Clark tiveram suas obras influenciadas por  Merlau Ponty, representante maior da fenomenologia.
Em
A Revolta da Carne: Diálogos Brasil – Japão que o SESC Consolação realiza de 5 a 29 de agosto, estas experiências radicais japonesas e brasileiras estão  colocadas lado-a-lado. Mais do que uma exposição, cercada de seminário e mostra de filmes, A Revolta da Carne: Diálogos Brasil – Japão  é uma ação concreta e viva entre dois espaços-tempos. A descoberta de outras perspectivas, a ousadia de investigações e a surpresa de algumas  convergências.
O evento apresenta aproximações entre dois movimentos distintos, que não tinham nenhuma relação um com o outro – nem sequer sabiam da existência um do outro – mas sua pesquisa e resultado foram importantes, pois transformaram e até hoje ainda colocam em xeque uma visão específica e fechada da arte.
 
O
butô trouxe uma outra dimensão do homem para as artes japonesas, sempre marcadas pelo rigor, repetição e tradição . Ankoku Butô trazia à tona o lado escuro do homem, sua alma e sua sombra. Seu mentor, Tatsumi Hijikata, não somente foi uma figura fundamental para dança moderna e no teatro Angura (palavra japonesa para underground), como tornou-se participante de um círculo de pessoas relacionadas ao teatro, à literatura, à poesia, à fotografia, ao cinema, à música e às artes plásticas no Japão. Hijikata quebrou todas as convenções da dança (no Ocidente e no Japão) e trouxe à cena o corpo do dançarino como ser inanimado, receptáculo do seu entorno, explodindo com as noções de sujeito e identidade tão fortalecidas por todos os artistas modernos.
A presença de Artaud na obra de Hijikata e no butô foi muito forte. Existem trechos de textos de Artaud gravados por Hijikata. Um deles,  chamado "
Para dar um fim no Juízo de Deus", poderá ser ouvido durante o seminário que faz parte do evento (confira a programação).
 
Já o
Movimento Neoconcreto promoveu um verdadeiro espírito sincrético, que mestiçava tradições que sempre co-existiram na sociedade brasileira, fundindo uma estética ocidental, que não privilegiava mais a visão e o conhecimento metafísico, e uma tradução oral afro-indígena brasileira, cujo conhecimento e história estão inseridos no corpo e nos rituais, sempre como experiências concretas. Tratava-se da materialidade da carne.
Conectados a estes movimentos mundiais que subverteram também os cânones da arte, os trabalhos de
Lygia Clark e Helio Oiticica escaparam dos rótulos fechados da body art, arte conceitual, peformance ou happening, colocando a participação do espectador como o elemento principal da obra. Romperam com a ideia da arte/mercadoria  de galeria e criaram obras onde a participação do espectador era fundamental.
Seus ricos e complexos pensamentos sobre a arte e sua construção não foram somente plásticos, mas conceituais e existenciais expressos em obras diferenciadas, híbridas e inclassificáveis dentro dos parâmetros tradicionais de classificação da arte. Desfocando a visualidade de suas obras,
Clark e Oiticica centraram seu trabalho no corpo, explorando o espaço e o corpo
de uma forma tátil, auditiva, olfativa e cinética. Suas contribuições para a arte contemporânea são relevantes não somente por seu original desenvolvimento no contexto da arte brasileira, mas também porque suas imersões e proposições, suas relações diferenciadas com objetos e suportes e seus "vocabulários interativos" transformaram a idéia da arte e de sua fruição.
 
Exposição penetrável
Algumas imagens e conjunções destas duas experiências radicais e transformadoras da arte em geral estão  presentes  na instalação/intervenção, ou mesmo "penetrável", que ocupa a Convivência do SESC Consolação, e faz um recorte  de um determinado  Japão e alguma coisa do Brasil nos anos 60/70.
A exposição consiste em posters, fotografias e alguns objetos originais provindos do arquivo Hijikata do museu no Japão. Reproduções de notebooks de Tatsumi Hijikata conseguem decupar seu processo incomum e único de criação de referências. A relação com o Brasil e o trabalho de Helio Oiticica estará presente na  utilização de alguns materiais  comuns  utilizados nas  obras de ambos os artistas,  bem como no filme HO de Ivan Cardoso e uma série de entrevistas realizadas por Suley Rolnik sobre a obra de Lygia Clark. De Tatsumi Hijikata alguns fragmentos de sua obra, de Helio e Lygia interpretações sobre seus intermináveis processos de criação. Paralelos traçados  entre  os  processos de criação  essas invenções dos lados opostos do mundo . No espaço de exposição serão exibidos também  continuamente imagens de obras de Tatsumi Hijikata e de Shuji Tereyama. Sessões especiais comentadas por especialistas nacionais e internacionais dos filmes dos artistas acontecerão em datas específicas. Mais do que uma instalação ou uma intervenção, há a "apropriação" do nome Penetrável, entendido aqui  como um espaço onde entrar é participar no processo de pensamento e ousadia proposto nestas relações entre dois lados do mundo.

Nos dois primeiros dias desta programação ocorrerá um seminário onde estas relações entre o Japão de Tatsumi Hijikata e do Butô e as criações e amplificações de Helio Oitica e Lygia Clark serão expostas e discutidas com especialistas japoneses e brasileiros.  O diretor geral do arquivo Hijikata da Universidade de Keio de Tóquio no Japão, bem como o mais importante crítico e teórico sobre a vanguarda japonesa da década de 60 /70 estarão  presentes. Celso Favaretto e Suely Rolnik, os dois mais profundos conhecedores da obra de Helio Oitica e Lygia Clark, respectivamente,  também farão palestras e debaterão com os japoneses estas proximidades e distânicas.  Neste seminário serão exibidos filmes, áudios e imagens de todos os artistas envolvidos, não como ilustrações, mas como amplificações deste diálogo. 
A organização e mediação de Christine Greiner, a mais importante pesquisadora brasileira das conexões entre Brasil e Japão  nas "artes" é outra presença  constante neste seminário.

 
* Criadas por Hélio Oiticica, Penetráveis são obras nas quais o público participante percorre um espaço determinado pelo artista para vivenciar experiências sensitivas.

Confira a programação completa:

EXPOSIÇÃO

Abertura: Dia 5 de agosto de 2009. Quarta, às 19h.
Convivência. Não recomendado para menores de 16 anos. Grátis.
De 5 a 29 de agosto. Segunda a sexta, das 13h às 22h/sábados, das 9h às 18h.

SEMINÁRIO
Dias 5 e 6 de agosto, quarta e quinta, a partir das 10h.
Teatro SESC Anchieta. Não recomendado para menores de 16 anos. Preços: R$ 20,00 (inteira); R$ 10,00 (usuário matriculado no SESC e dependentes). R$ 5,00 (trabalhador no comércio e serviços matriculado no SESC e dependentes). Inscrições pelo site
www.sescsp.org.br a partir do dia 24 de julho ou nas bilheterias das unidades do SESC. 

Dia 5

Abertura - Das 10h às 11h.
Palestra de apresentação do projeto com os curadores Christine Greiner, Ricardo Muniz e Hideki Matsuka

Filme comentado - Às 11h30.
Excertos de filmes apresentam experiências, introduzindo o que o filósofo Kuniichi Uno* chama de partidários da vida singular do corpo.

Hijikata, Artaud e Terayma: gestos de ultrapassagem - Às 12h
Palestra com Kuniichi Uno* em que ele estabelece algumas pontes entre estes três grandes artistas: o criador do butô Tatsumi Hijikata e os revolucionários do teatro Antonin Artaud e Shuji Terayama. Estes artistas-provocadores partilharam uma obsessão pela dissolução de fronteiras entre a vida e a morte, a ficção e a realidade, a palavra e o corpo. Tradução simultânea.

* Kuniichi Uno é professor da Universidade Rikkyo de Tóquio. É tradutor de diversos autores importantes como Jean Genet e autor de livros e artigos sobre Artaud, Hijikata e Gilles Deleuze, que foi seu orientador de doutorado no começo de sua carreira.

As imagens do butô - Às 14h.
Takashi Morishita
apresenta fotografias históricas da vida e obra de Tatsumi Hijikata, assim como exemplos do método de notação (buto-fu) elaborado pelo artista a partir de seus cadernos de criação. Takashi Morishita é responsável pelo "Arquivo Genético de Hijikata" da Universidade Keio de Tóquio. Tradução simultânea.

As imagens de Helio Oiticica - Às 15h.
Celso Favareto
discute diferentes momentos da obra de Oiticica, com ênfase na passagem da representação pictórica para o envolvimento com o carnaval da Mangueira e as transformações radicais do corpo em movimento. Celso Favareto é professor da Universidade de São Paulo, na Faculdade de Educação. Atua na área de Filosofia, com ênfase em Estética e em Ensino de Filosofia.
 
Possíveis Conexões 1 – Às 16h30.
Bate-papo apontando possíveis conexões entre a obra e o pensamento dos artistas apresentados, com a participação de
Kuniichi Uno, Takashi Morishita, Celso Favareto, com mediação de Christine Greiner.
 

Dia 6

O corpo no pós-guerra: as mãos japonesas – Às 10h.
Palestra com o professor Yoshikuni Igarashi. Como o corpo se tornou a mídia mais importante para a reconstituição do Japão no período pós II Grande Guerra. Este tem sido o tema da pesquisa de Igarashi desde o seu primeiro livro Corpos da Memória, cuja discussão culmina no suicídio do escritor Yukio Mishima. Após uma breve contextualização do período, Igarashi apresenta a sua nova pesquisa sobre o corpo no pós-guerra a partir das visões da sociedade de consumo. A palestra será ricamente ilustrada por imagens e, ao focar na questão do trabalho, toma como ponto de partida as representações das mãos. Yoshikuni Igarashi é professor do Departamento de História da Universidade Vanderbilt. Tradução simultânea.

O impacto da filosofia francesa nos estudos do corpo no Brasil – Às 11h
Palestra com a professora Denise de Sant' Anna. Ao refletir sobre a história do corpo, Denise de Sant'Anna aponta conexões entre a filosofia francesa, sobretudo, a fenomenologia francesa, e os modos como temos estudado o corpo no Brasil. Tais pontes conceituais e perceptivas impactaram não apenas os pesquisadores teóricos, mas muitos artistas brasileiros. Denise de Sant' Anna é professora do Departamento de História da PUC-SP.

O impacto da filosofia européia nos estudos do corpo no Japão – Às 12h.
Palestra com Christine Greiner. Há momentos diferentes de diálogo entre a filosofia européia e o Japão que começam, sobretudo, a partir de releituras de Heidegger e Nietzsche, e se desdobram posteriormente em discussões cada vez mais políticas através das pontes com os pensamentos de Georges Bataille, Levinas, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Jean-Luc Nancy e Giorgio Agamben. A palestra faz a ponte entre estas discussões e experiências artísticas. Christine Greiner é professora do Departamento de Linguagens do Corpo da PUC-SP, onde dirige o Centro de Estudos Orientais.

Imagens de Lygia Clark – Às 14h.
Palestra de Suely Rolnik. A partir das imagens de Lygia Clark, Suely Rolnik demonstra a importância de algumas experiências da artista para os novos entendimentos do corpo, as políticas de subjetividade e o desafio de viver junto. Suely Rolnik é psicanalista, ensaísta e curadora, professora do Núcleo de Subjetividade da PUC-SP.

Min Tanaka à la Borde – Às 17h
Apresentação seguida de comentários do documentário Min Tanaka à la Borde, de Joséphine Guattari et François Pain (1986, 25'). O filme mostra vivências do dançarino de butô Min Tanaka na clínica La Borde, criada em 1951 por Jean Oury em um castelo na França. Esta clínica, muito marcada pela atuação Felix Guattari a partir da metade dos anos 50, foi fundamental, em vários sentidos, para o reconhecimento e respeito à individualidade de cada paciente nos tratamentos psiquiátricos. Comentários de Peter Pál Pelbart e Kuniichi Uno. Peter Pál Pelbart é filósofo e ensaísta, professor do Departamento de Filosofia da PUC-SP. Coordena a Cia. Teatral Ueinzz.

Possíveis Conexões 2 – Às 18h
Igarashi Yoshikuni, Denise Sant'Anna, Suely Rolnik,Peter Pál Pelbart
e Kuniichi Uno fazem um bate-papo apontando possíveis conexões entre a obra e o pensamento dos artistas apresentados no segundo dia de seminário, com a mediação de Christine Greiner.

MOSTRA DE FILMES
De 12 a 26 de agosto, a partir das 19h30. Convivência. Não recomendado para menores de 16 anos

Filmografia de Shuji Terayama
Será apresentada a filmografia de Shuji Terayama.
Abertura no dia 12, às 20h, com palestra de
Kuniichi Uno.
Dias  13, 14, 17 e 18 de agosto. Quarta, quinta, sexta, segunda e terça, a partir das 19h30.

Filmografia de Tatsumi Hijikata.
Será apresentada a filmografia de Tatsumi Hijikata.
Abertura no dia 19, às 20h, com palestra de
Christine Greiner.
Dias 20, 21, 24, 25 e  26 de agosto.  Quarta, quinta, sexta, segunda, terça e quarta, a partir das 19h30.

A Revolta da Carne: Diálogos Brasil – Japão
De 5 a 29 de agosto de 2009.
Curadoria:
Christine Greiner, Hideki Matsuka, Morishita Takashi, Ricardo Muniz Fernandes
Realização: SESC-SP
Apoio: Fundação Japão de Tokyo, Hijikata Gentic Archive – Keio University, Projeto Ho, Fundação Lygia Clark, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Produção: Diagrama 2 Produções Artísticas Ltda. Fundação Japão
 
SESC Consolação
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Tel: 3234-3000
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Assessoria de Imprensa SESC Consolação e Teatro SESC Anchieta
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