terça-feira, 30 de junho de 2009

Portal Cultura Infância: Que Dança é essa?


Que Dança é essa? 
Escrito por Uxa Xavier 


Esse texto nasce de um recorte das discussões do “Grupo de estudos Põe o dedo aqui”.

A autora questiona como nomear o trabalho em dança para crianças e como contextualizá-lo dentro de uma estética da dança.

Toca na questão da investigação como pedagoga do movimento.

Que ferramentas lançamos mão em nosso trabalho?

Aonde se busca informações para que o trabalho não se engesse numa fórmula?

Com que olhar esse pedagogo vê seu aluno? Sua expressividade e sua cultura corporal?

O tema desse texto é: Iniciação á dança ou dança contemporânea para crianças?

Fazer o trajeto dessa pergunta nos remete ás questões acima levantadas.

A autora deseja não só compartilhar como também provocar algumas questões com artistas da dança que trabalham com crianças.


Palavra chave:Iniciação à dança ou Dança contemporânea?

                                                             

            O grupo Põe o dedo aqui surgiu do desejo de troca de experiências por parte de profissionais envolvidos em trabalhos com crianças e adolescentes dentro da abordagem da dança contemporânea e que sentiram necessidade de se reunirem em busca de uma identidade comum: Quem somos nós? Como trabalhamos?

Formou-se um grupo com movimento de histórias pessoais e tempos profissionais distintos, a partir do qual outros movimentos foram gerados.

           Foi nessa movimentação inicial, em que as discussões abordaram a questão da dança contemporânea e quais seriam as ferramentas mais apropriadas para olhar, tocar, propor e dar direções de movimentos para os alunos, que senti dúvida sobre o nome que daria a meu trabalho: Dança contemporânea para crianças e adolescentes ou: Iniciação à dança?

           Meu trabalho não tem como objetivo formar profissionais, mas, sim, proporcionar ao aluno vivências corporais  básicas na dança: espaço, tempo, musicalidade, qualidade de movimento e percepção da organização de seu corpo e movimento criador. São as ferramentas fundamentais de um trabalho pedagógico e artístico em dança.

Nomear um trabalho é muito importante, pois a nomeação é a conseqüência da escolha de uma identidade. É uma responsabilidade com nossos alunos, pais e coletivo profissional.

          Em uma das discussões do grupo, chegou-se ao “x” da questão: o que é dança contemporânea?  Existe uma aula de dança contemporânea? Quais suas características? Onde ela se diferencia do Balé Clássico e das técnicas de danças modernas?  São estilos de danças que compõem a linha do tempo da história da dança.

A dança contemporânea deve ser considerada como resultado das anteriores e, ao mesmo tempo, sua antítese, pois senão ela não existiria. Refletir sobre esse conceito é muito importante para a contextualização desse trabalho. 

Nas  leituras em grupo, discutiu-se o texto de Hubert Godard, "Gesto e percepção" ( Lições de Dança-3), em que o autor analisa a questão do pré – movimento. Diferenciando o movimento, do gesto, porque, apesar de aparentemente estarem juntos, têm origens diferentes.

          O movimento é o resultado do esforço mecânico do corpo para se deslocar no espaço, de forma organizada, enquanto o gesto traz a carga expressiva, a identidade sócio - psíquica de cada um: sua mitologia corporal. Assim, podemos dizer que não há um movimento expressivo idêntico ao outro. 

Em uma sala de aula, deve-se manter certa distância para que se possa “ler” a movimentação dos alunos, que é a soma do movimento mecânico com o pré - movimento. 

Entende-se por “ler”, a nossa atenção ao gesto e ao movimento dessa criança. Dessa forma, poderemos ver naquele que está ali, movimentando - se com seu corpo, “pistas” de sua história pessoal e sua cultura. 


Corpo professor corpo aluno


            Um corpo não deve ser moldado através de treinamento de movimentações, sem  que, anteriormente, não tenha se refletido sobre o que se faz. É o que ocorre quando o professor, por ingenuidade ou por falta de reflexão sobre sua prática, deseja que seu aluno se movimente como ele, ou seja, torne - se quase sua cópia, fazendo do ensino uma repetição de seu próprio aprendizado. É preciso romper com a cópia e refletir. Uns conseguem, outros, não. 

          As crianças podem, sim, compreender seu corpo e sua movimentação de uma forma criativa e, ao mesmo tempo, criar e compor sua dança. Esse é o movimento do processo de aprendizagem, da criação do repertório de movimento, uma espiral sem fim.


Planejar. Para quê? 


            Nas conversas do grupo, discutia-se sobre o planejamento de aula e a construção de suas várias etapas, como um ritual: aquecimento adequado para as faixas etárias, proposição de movimentos que levassem o aluno a percebê-los de forma criativa e organizada, para que assim pudesse se apropriar de sua movimentação e se tornasse dono de seu corpo, como também um encerramento que lhe proporcionasse o sentido de tempo do final dessa aula.

Outro assunto muito importante que deve ser considerado em uma aula são os temas de movimentos e como fazer para transformá-los em material de investigação para o aluno. 

           O tema de movimento é a resultante da soma de vários fatores: tempo, espaço, intensidade, expressividade e fluência. Podemos propor movimentos no chão, suaves, em que a coluna lidere a movimentação das partes do corpo: nossa, saiu uma cobra Quem sabe um peixe? Ou uma água viva?


Pesquisar sempre


           Estamos falando do terreno da pesquisa de movimento do professor, com que estética ele se identifica, como aborda e transforma seu movimento em material de investigação para seus alunos. 

É importante para um professor estudar e pesquisar continuamente os materiais referentes à dança e ao corpo. É sempre produtivo fazer aula com outros profissionais, afinal, a dança é viva e se transforma. Apoiar-se em ‘ uma fórmula que deu certo’ pode ser um limite ao professor, enquanto artista e pedagogo do movimento.

Particularmente, emprego a metodologia de Rudof Laban, a partir das aulas que tive por muitos anos com Maria Duschenes e, também, como aluna de Klauss Vianna por mais de sete anos.

            Uso essas vivências e formação primordial como estrutura de trabalho, mas isso nunca foi empecilho para eu buscar, sempre que preciso, informações em várias técnicas de terapias corporais e pensamentos sobre a criação e a criatividade. Sendo assim, tomei contato com a  Eutonia, Feldenkrais, M. Béziers, Ligia Clark com suas experimentações  sobre corpo e arte, Fayga Ostrower sobre o processo criativo e outros estilos de dança que ocorrem. 

            Todas essas pesquisas sempre enriqueceram meu trabalho e me fizeram, muitas vezes, questionar minhas ações e formas de abordar o movimento, ampliando meu conhecimento e instigando minha curiosidade e criatividade. 

Em aula, se dou um mesmo exercício, ele pode me proporcionar uma visão de várias perspectivas: organização muscular, estrutura esquelética e até mesmo como a criança se relaciona com suas emoções, sua expressividade, suas dificuldades e habilidades motoras. 

            Para que isso aconteça, deve-se sempre estar no terreno do ir e vir na aula, observar e atuar como numa dança em que, às vezes, somos a figura e, às vezes, o fundo (José Antonio Ribeiro, Dança temporariamente contemporânea). Também é imprescindível saber o momento em que devemos tocar no aluno, dando a ele um registro cinético e alimentando sua memória corporal. A busca de materiais e informações que estão presentes também na estética da dança contemporânea é outro fator importante para o bom resultado da aula.

            A abordagem somática gera um novo suporte ao corpo e uma nova percepção da técnica. Ela amplia e nos dá muitos instrumentos para investigar e recriar movimentações. Esse procedimento é muito comum na dança contemporânea. Cada tema quando somados de formas e intensidades e proposições espaciais diferentes são como equações matemáticas, poesia,composição musical, enfim criam um significado, e portanto uma comunicação, um pensamento uma idéia.

            A dança contemporânea não deve ser entendida como uma soma de A+B= C como na estética romântica. É outro código um outro jeito de usar os movimentos e suas inumeráveis combinações. Uma estrutura que se transforma. Onde cada artista trata do corpo suas possibilidades e propostas estéticas criando suas composições de formas diferentes de outros artistas.


Definindo o nome

 

            Os procedimentos e idéias da dança contemporânea estão presentes nas minhas aulas.

Sempre que pude levei alunos para assistir á espetáculos, assim também atuamos na formação de público e quando vejo que eles reconhecem no espetáculo temas propostos em aula e que também conseguem apreciar

a movimentação expressiva dos dançarinos e reconhecer a idéia que está contida no espetáculo, penso: Posso continuar nomeando minha aula de dança contemporânea.

Tenho como exemplo uma aluna que foi ver um espetáculo de uma Mostra de Dança e ao final disse “eles ficaram falando a mesma coisa o tempo todo...” ela consegue ler e sentiu falta do desenvolvimento da idéia.

            Ver outros espetáculos de outros estilos é muito importante, pois a dança é rica e todos os estilos devem ser apreciados, afinal esses alunos poderão fazer aulas de outras técnicas se o desejarem,e não terão um olhar limitado para a arte da dança.   

 

Texto produzido para o livro Põe o dedo aqui.

Sítio: www.poeodedoaqui.art.br

Resultado do Grupo de Estudos sobre dança Contemporânea para Crianças.

Coordenação do grupo: Geórgia Lengos e Uxa Xavier. 

Prêmio Klauss Vianna de Dança Funarte/Petrobrás- Balangandança Cia. 2007  


Uxa Xavier é coordenadora do Nadança, projeto de dança para crianças e adolescentes. É pesquisadora e ministra curso de dança para crianças.

Contato: uxaxavier@uol.com.br 


* Adriana Almeida, palestrante sobre Body Mind Century.  


Bibliografia


Godard, Hubert  Gesto e percepção.  Lições de Dança 3.  3º edição ed Univercidade-R.J


Bondia Jorge Larrosa- Notas sobre a experiência e o saber da experiência- tradução João Wanderley Geraldi—Universidade de Campinas dpto de Lingüística- Revista Brasileira de Educação n 19 2202 ed  autores associados              


Schulmann Nathalie -  Da prática do jogo ao domínio do gesto- tradução Maria Blandina Neder- lições de Dança 1-  2ª  edição 2206  ed Univercidade- R.J


Ostrower Fayga- Criatividade e processos de criação 18º  edição ed vozes 1987.