quarta-feira, 22 de julho de 2009

Herdeiros de Pina: próximos passos


O Estado de São Paulo
publicou

Sábado, 18 de Julho de 2009 

Daniel J. Wakin 


O súbito desaparecimento da coreógrafa alemã Pina Bausch no mês passado deixou um buraco arrasador nas vidas dos dançarinos que se dedicavam à obra dela em Wuppertal, pequena cidade a leste de Düsseldorf. E levantou uma pergunta essencial para todas as companhias de dança que existem para servir a uma solitária voz criativa: o que acontece quando essa voz é silenciada?


Representantes da companhia dela, a Tanztheater Wuppertal, dizem que, a curto prazo, os dançarinos vão continuar com as turnês e as apresentações das coreografias de Pina, ao menos até o final da próxima temporada. Neste fim de semana, por exemplo, a companhia está em Moscou. Volta aos palcos de Wuppertal em setembro e em junho fará paradas em São Paulo, Cairo, Paris, Madri, Berlim, Santiago, Seul, Londres, Munique, Tóquio, Istambul e Atenas. Alguns dos programas incluirão aquela que se revelou a última obra de Pina Bausch, trabalho sem título criado para um festival chileno (no Chile, será apresentado só em janeiro). 


"Vamos prosseguir", disse Cornelia Albrecht, diretora administrativa da cia., em Spoleto, Itália, onde o grupo estava se apresentando. "Isso estaria de acordo com a vontade e o desejo de Pina." Cornelia destacou que os dançarinos não cancelaram nem a apresentação na Polônia, no dia em que ela morreu, 30 de junho. "Foi uma decisão de partir o coração, mas fizemos a escolha certa", disse Cornelia. "A dança era a vida dela. Não há nada que demonstre mais respeito pelo seu trabalho do que dançarmos sua obra."


A questão maior diz respeito à sobrevivência da Tanztheater Wuppertal. Cornelia disse que os dançarinos e membros da equipe se reuniriam nos próximos meses para debater o assunto. "Nunca podemos dizer ?para sempre? e nem ?nunca?", disse ela. "São palavras grandes demais. Vamos ver o que o futuro nos trará." De acordo com Cornelia, a certeza é que "a companhia está pronta para preservar o legado de Pina". 


Enquanto isso, funcionários da administração pública de Wuppertal e do estado da Renânia do Norte-Westfália, que fornecem praticamente todo o financiamento da companhia, disseram que continuarão oferecendo recursos, ao menos por enquanto, segundo Cornelia. Em troca, a companhia realiza 30 apresentações em Wuppertal a cada temporada. 


Declarações de representantes do poder público confirmam o otimismo de Cornelia. "O mundo anseia mais do que nunca pela obra de Pina Bausch", disse Hans-Heinrich Grosse-Brockhoff, secretário de Cultura do Estado. "Continuaremos mantendo esse gasto." Ele previu que a demanda internacional pelas visitas da companhia permaneceria alta. "Assim, não há motivos que nos levem a dizer, ?Vamos recuar agora?", disse Grosse-Brockhoff. 


Pina Bausch sempre falava a respeito da preservação de sua dança, mas não deixou planos definitivos para tal fim. "Só posso dizer que ela tinha grande interesse em disponibilizar seu trabalho para o público do futuro", disse Cornelia. A questão remanescente é como preservá-lo de uma forma na qual ela pudesse "reconhecer a si mesma na própria obra". 


Já existe uma variedade de registros físicos, entre eles videoteipes das danças, gravações em áudio, roteiros, fotografias, cenários e as anotações de Pina Bausch. A memória partilhada pelos dançarinos da companhia é também uma fonte. 


Cornelia não quis discutir quem seria o novo responsável pela liderança artística. Pina Bausch tinha assistentes que transmitiam seus desejos aos dançarinos, e alguns dos dançarinos são veteranos de longa data na companhia. "No momento a companhia está suficientemente forte", disse Cornelia. 


Diferentemente do coreógrafo americano Merce Cunningham, de 90 anos, cuja companhia recentemente divulgou um plano detalhado, segundo o qual o grupo seria fechado, mas um truste cuidaria de manter a obra do seu coreógrafo, Pina Bausch não enxergava a necessidade imediata de fazer um plano semelhante. "As pessoas encaravam essa questão como algo que aconteceria um dia, e não como algo urgente", disse Rena Shagan, responsável pela organização de turnês. 


O plano de Cunningham prevê uma turnê final de dois anos de duração que deve começar após a sua morte ou depois que ele decidir fechar a companhia; o pagamento de taxas de desligamento aos dançarinos; e a transferência dos direitos de licenciamento para o truste, para garantir que outras companhias montem produções autênticas de Cunningham. Por exemplo: uma disputa por direitos arrastou a Companhia de Dança Martha Graham para dificuldades financeiras. 


A próxima pergunta envolve a exequibilidade de se administrar o que seria essencialmente um museu de Pina Bausch. A coreógrafa criou um trabalho a cada ano e supervisionou as releituras, com frequência passando semanas ao lado de seus dançarinos durante longas temporadas de apresentações em festivais e casas de espetáculos favoritas, como o Théâtre de la Ville, em Paris. 


O administrador deste teatro, Michael Chase, não quis confirmar se o compromisso do teatro com a companhia seria o mesmo sem a própria Pina Bausch. Seja como for, disse ele, ainda era cedo para saber. "É difícil pensar num futuro sem Pina", disse ele. Ela visitou o teatro todos os anos durante três décadas. "Muitos de nós", acrescentou Chase, "tínhamos a sensação de que Pina estaria conosco para sempre." Outra incógnita é a permanência em Wuppertal de todos os dançarinos, muitos dos quais vieram de diversas partes do mundo para estar com Pina Bausch. "Não estamos falando do lugar mais atraente do mundo", disse Chase, ao menos em comparação com Paris, Londres ou Nova York, onde os dançarinos têm outras oportunidades. 


Pina Bausch era também uma visitante habitual da Academia de Música do Brooklyn, seu lar nos Estados Unidos. Joseph V. Melillo, produtor executivo da escola, disse que havia um "argumento legítimo" em favor da continuidade do trabalho da academia: a necessidade de apresentar o legado de Pina Bausch àqueles que ainda não foram iniciados na sua arte.


Cornelia disse que os dançarinos decidiram não dar entrevistas por enquanto. A família de Pina Bausch, comunicando-se por meio da sua assistente pessoal, Sabine Hesseling, também não quis ser entrevistada.


TRADUÇÃO DE AUGUSTO KALIL



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