Lá vamos nós, dançar num terreno prá lá de delicado, mas que vejo a importância de abordarmos algumas questões que permeiam a arte da dança dentro de projetos sociais. E trocar nossas experiências e idéias, afinal é esse o objetivo dessa coluna! Um texto vivo.
Qual a função da dança dentro de um projeto? Profissionalizar os alunos?
Ou criar junto à eles o encontro de seu corpo com a arte da dança e abrir um espaço para a criação pessoal?
E talvez para quem quiser se profissionalizar ter o apoio da instituição que dá suporte ao projeto para um processo profissionalizante deste aluno (a) e introdução em um mercado de trabalho bem complexo.
Assisto a muitas apresentações de dança de projetos sociais e sempre saio com a terrível pergunta: Quem criou? Quem concebeu? Como eles trabalham no processo criativo? Aonde estão os “pés” dos alunos? Pois sempre vejo rastros, ou melhor, marcas, bem fortes de um coreógrafo nos espetáculos.
Quando vamos ver um espetáculo profissional sabemos que dentro de um processo criativo existem funções e papeis determinados para a criação de um trabalho.
Vemos a assinatura do coreografo, vemos o tema que gerou e seu desenvolvimento, vemos o trabalho dos dançarinos interpretes, do dramaturgo (quando tem) do cenógrafo, iluminador, figurinista, enfim vemos um corpo ativo e criativo direcionado para um produto final.
Mas quando aprecio um trabalho onde sua origem é um projeto social não desejo ver esse “corpo” profissional, mas sim um corpo novo trazendo suas histórias e como as criaram para estar lá no palco compartilhando com a platéia um momento tão importante de sua história.
Sabendo que o processo artístico pedagógico é o princípio ativo, ele é que vai gerar uma criação, e aqueles corpos dançantes que estão no palco são crianças e adolescentes aprendizes. E como é bom ser aprendiz!
Jovens que vivem em situações adversas e que estão num projeto social,tem a chance de acordar e renascer seu corpo criativo e sua sensibilidade a si mesmo e ao outro, (apesar que vejo essa situação não só necessária em projetos sociais,mas isso “são outros quinhentos”).
Ter a possibilidade de estudar dança, brincar com seu corpo e criar, são ações que fundamentam objetivos de projetos sociais que tem a linguagem da dança como ferramenta.
Mas o risco é grande, pois como levar para a cena uma forma que não é a que o público deseja ou ainda, não se acostumou a ver? O virtuosismo seduz e embriaga....
Ou melhor, porque colocar em grande cena ? Contrapartida com o patrocinador implica em mostrar o resultado, ok é bom mostrar sim, mas o que e como se mostra é a questão.
Ou melhor, por que não criar espaços de mostras de dança onde os participantes são aprendizes? Criando mais um espaço e redes de trocas de aprendizado entre os participantes.
Acredito que dentro de um projeto social a pedagogia da dança deva ser o motor, que é representado por um educador de dança e existem muitos profissionais competentes que podem e sabem direcionar um processo artístico pedagógico transformando-os em espetáculo.
Sabemos que um arte educador em dança trabalha com questões mais profundas como: faixas etárias, possibilidades e habilidades motoras e cognitivas onde cada grupo de idade tem suas habilidades e entendimentos, mas nada disso diminui o processo criativo ou mesmo a performance do aluno, mas sim o deixa autentico e vemos os participantes realmente atuando como protagonistas de suas experiências culturais cinéticas e criativas.
Pode dar mais trabalho, pois é um processo um pouco mais lento, mas imaginem: quem sai ganhando de verdade? As crianças e os adolescentes que poderão ter a experiência real da construção de um trabalho onde todas as dinâmicas necessárias para que isso aconteça poderão ser vividas e que também é um momento de aprendizado de cidadania e respeito, além do entendimento do que é criar.
Pois estaremos fazendo um trabalho onde a cultura do corpo social e da dança caminham juntas!
Proporcionar aos participantes, ver, apreciar espetáculos, abrir o território das informações e formação, onde cada um poderá discutir e trocar informações sobre o que viu e sentiu é de grande valor, pois no momento de sua criação terá dentro de seu corpo um terreno de conhecimento, pois ele não estará repetindo uma proposição de movimentos já codificados e sem história para eles.
Nada disso impede a presença da disciplina e da técnica, que são procedimentos, mas não conteúdos.
Imaginem que interessante poder ver mesmo o quanto a arte da dança pode criar e recriar movimentações infinitas (a dança contemporânea está ai para provar) gerando novas formas novos espaços novas danças.
Quantos novos criadores e dançarinas interpretes podem ser despertados dentro de um ambiente criativo de um projeto social?O quanto a dança pode ganhar ampliando e não repetindo uma mítica de virtuosismos e formas prá lá de codificadas em nossos olhares e desejos?
Se pensarmos bem, quando temos a chance de trabalhar ou mesmo coordenar um projeto social é um grande terreno para trabalhar metodologias e técnicas corporais que dão suporte para novos processos de criação e assim poder viver e compartilhar um momento onde o conhecimento e a criação caminham juntos.
Nem sempre é fácil mudar, mas.... tentar...pode valer a pena.
Dicas: Para que se interessa pelo ensino do Ballet Clássico.
Sobre o tema: “O Ensino do Ballet: refletindo o papel do professor, observando possibilidades educacionais” de IVANNA Motta . Esse texto está na edição de Junho da revista Dança Brasil (gratuita e pode ser encontrada em academias de dança do Brasil inteiro).
Acessem e leiam os textos do site www.poeodedoaqui.art.br
Uxa Xavier é coordenadora do Nadança, projeto de dança para crianças e adolescentes. É pesquisadora e ministra curso de dança para crianças.
Contato: uxaxavier @uol.com.br