sexta-feira, 3 de julho de 2009

Portal Cultura Infância: Dança - Entrevista: Lela Queiroz fala sobre a Educação Somática


Dança - Entrevista: Lela Queiroz fala sobre a Educação Somática
Escrito por Adriana Napoli


Esta entrevista foi concedida à atriz e arte-educadora Adriana Napoli.


Quando surgiu seu interesse em trabalhar com crianças e mais especificamente com o estudo da movimentação de bebês?

 

Meu processo de reabilitação me levou a Educação Somática e nele descobri o trabalho BMC que se dedica ao estudo do desenvolvimento dos bebês. A fase primeira do nascimento até aprender a andar, as pessoas não sabem disso, mas é o período mais crucial e importante de nossas vidas no sentido do desenvolvimento cognitivo. O real interesse, o prazer, a superação do medo, da raiva, da perda e todas as emoções e sentimentos são criados nesse momento. Esse entendimento atual, chamado de desenvolvimento cognitivo evolutivo, alia os saberes da relação mãe e filho com as recentes descobertas das ciências, mais especificamente, neurociência biológica e ciências cognitivas, da complexidade, da mente. A vertente desse entendimento, sem se tratar de (amplamente divulgado) modelo computacional, não acredita que somos um corpo/máquina e que o cérebro se desempenha pelo modelo computacional. Somos diferentemente disso, seres de natureza íntegra. Essa nova abordagem do corpo e da mente entende os processos do organismo em toda sua complexidade e por isso se apóia na concepção de que a aprendizagem é sensório motora e acontece sobretudo na primeira fase da vida, desde o nascimento até aprender a andar.


Quais os benefícios que a prática da dança durante a infância, pode trazer para o indivíduo na fase adulta?


Superando-se a sua acepção de "técnica", e livrando-se do preconceito arcaico em relação a homens na dança, A dança, é uma habilidosa arte de extremo valor. Através da Educação Somática, vertente atual do ensino-aprendizagem de Dança, especialmente, trabalha integrando conhecimentos do sistema sensório-motor e anatomia/fisiologia aplicada do movimento.

A dança desenvolve a capacidade de desenvoltura, de destrezas próprias do campo do movimento, reflexos, como ampliação do repertório de movimentos, habilidades de auto dominar e maior controle, fluência e ritmo, agilidade, e uma percepção de mundo a partir do corpo que é insubstituível para a vida toda. Trabalha todos os sentidos do organismo e com isso favorece o equilíbrio, a regulação, o metabolismo e a omeostase orgânica. 

Sabendo da célebre frase que dançar faz bem para alma, a dança  organiza a parte emocional da criança também. Além disso, ela é um meio pelo qual se aguça a coordenação de cálculo, por isso,  aliada à música desenvolve a percepção para a matemática, a disciplina,  a organização e a sensibilidade.


Qual a metodologia utilizada com crianças para atingir os objetivos de conscientização corporal?

 

Sem dúvida alguma, no Brasil temos a metodologia baseada em Rudolf von Laban e a Educação Somática do movimento. Nessa abordagem somática há várias linhas e sistemas de pensamento. Eu trabalho com BMC e acredito que ela e Laban sejam as mais indicadas. Mesmo porque, O trabalho de Bonnie foi com  Bartenieff, que foi discípula de Laban em Nova Iorque!O trabalho de dança para crianças referência no Brasil é baseado no método Rudolf Von Laban, sem dúvida alguma.


É importante para a criança, que seus responsáveis estejam atentos e participem do desenvolvimento de suas habilidades motoras? Isso influencia a relação posterior entre pais e filhos?


Os pais não devem ser relapsos ou alienados em relação aos filhos de jeito nenhum. A criança copia, imita e reflete o tempo todo quem está a volta dela. A criança que cresce cuidada pelos irmãos mais velhos, quando os tem, é bem diferente da criança que cresce cuidada pela babá, pela televisão ou ainda mais diferente quando é cuidada pelos próprios pais. 

Os pais têm preponderância em tudo, inclusive na sua ausência, por isso é fundamental que eles tomem a frente e participem intensamente de toda a vida do bebê e da criança, jovem, adolescente e continua pela vida a fora, na vida adulta também. 

 

Explique  para nós o trabalho desenvolvido com mães e bebês e sua tentativa de implantação no Brasil.


Enquanto no chamado mundo do 1º mundo de hoje, considera-se valiosos os ensinamentos das índias sul-americanas e o tratamento da relação mãe e filhos, nós encontramos dificuldade de implementar aqui esta praxis. Na cultura indígena prepondera o acolhimento e contato físico, extremamente valorizado hoje, tanto nos Estados Unidos, quando na Europa. Deixando de lado o logocentrismo, colonização e antropocentrismo, as relações da natureza mostram que de fato essas duas características são a base para o afeto, a estabilidade, a confiança e a amorosidade.


Um corpo mais trabalhado na infância  pode influenciar na constituição da personalidade de um indivíduo?


Vamos inverter a pergunta. Um corpo mal trabalhado pode afetar e trazer dificuldades ao indivíduo? São inúmeras e diversas fontes e causas de problema gerados, por exemplo, por falta de contato físico. Hipotonia, ausência de limite e proporção, desconfiança, insegurança, teimosia, etc. Mal trabalhado é preciso definir invertendo novamente a questão. Mais trabalhado como? Não militarmente e nem uniformizadamente... Não, bem trabalhado aqui, refere-se a que organismo tenha tido os seus processos de desenvolvimento respeitados, acolhidos e levados a cabo, que sua expressividade e características individuais possam ter tido vazão, e liberdade de comunicação com o corpo e a mente, e os processos orgânicos são intensos desde cedo  e a criança requer atenção constante, por isso, hoje em dia, dificilmente se encontra um adulto nessa situação e nesse estado de plenitude.


A dança, os esportes e as artes marciais, podem contribuir para que a criança não adquira dificuldades comportamentais como a hiperatividade?


Sim, todas as propostas antigas e as mais recentes que abordam corpo e mente integrados numa visão não dualista nem mecanicista, ajudam a reconduzir os processos de conflito e impropriedade e levam o organismo a uma melhor auto-regulação. Isso significa que as danças e as artes marciais, tirando os esportes fora disso, ajudam enormemente a concentração, a respiração, a paciência, a calma, a ponderação e a sensibilidade , como empoderamento do indivíduo.


A criança que cresce em ambientes fechados, como apartamentos, e que portanto, possuem um espaço limitado para brincar, adquire maiores dificuldades de expressão? É recomendado para essas crianças que seus pais procurem cursos na área da dança ou outras artes que desenvolvam a expressão corporal para compensar essa carência?


Dificuldades de expressão seriam dos problemas os menores. Diversas compulsões e fobias advem desse quadro. É importantíssimo os pais promoverem atividades artísticas como a dança sim, bem como contato direto com a natureza e ambientes saudáveis, abertos ao ar livre com frequência e regularmente. (uma quadra de esporte não se enquadra para esse fim). 


Lela Queiroz é artista performer, pesquisadora na área de dança, temas de cognição e conscientização.  Mestre e educadora certificada em Educação Somática pela SBMC-EUA (1999-2002). Coordena  o Estúdio Dança Integrada (São Paulo) onde ensina regularmente. Professora de Extensão Universitária UFPA (Pará), URGS (Porto Alegre), de graduação na UEA (Manaus), de pós graduação FMU (São Paulo). 

Professora assistente da formação certificada SBMC (Alemanha), Unipaz. Professora convidada UFBA em 2008. Atualmente é Bolsista Recém-doutor Capes UFRGS/UFBA.


BMC- Body Mind Centering é método dos sistemas corporais para finalidades artísticas e terapêuticas, pela abordagem corpo/mente, movimento e contato, fundamentados na fisiologia médica ocidental, anatomia aplicada e princípios ontogenéticos e filogenéticos.


Estúdio Dança Integrada

(11) 3167-4198 

lela@dancai.net 

www.dancai.net



fonte: 

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