Jornal de Notícias
publicou
15-09-2009
"Quero trabalhar no meu país"
Coreógrafa Vera Mantero está em Coimbra, até dia 19, a tentar seduzir pessoas para a dança contemporânea
CARINA FONSECA
A coreógrafa Vera Mantero inicia hoje, terça-feira, uma residência artística, no Teatro da Cerca de São Bernardo, em Coimbra, que se prolonga até dia 19. Uma oportunidade que vai de encontro ao seu desejo de trabalhar mais em Portugal.
"Estou cansada deste paradoxo: sou apoiada, em Portugal, a nível estatal, e quem usufrui mais [do meu trabalho] são pessoas que vivem noutros países", disse Vera Mantero, de 43 anos, riso solto e mãos irrequietas, diante de uma plateia de jornalistas. Basta pensar que a peça "Vamos sentir falta de tudo aquilo de que não precisamos" estreou, em Junho, em França e na Alemanha, e só chega até nós no próximo ano.
Mas há entraves. "Tenho vontade de apresentar o meu trabalho em Portugal, mas há alguma dificuldade em ver dança contemporânea. Fora dos grandes centros urbanos, as pessoas não têm vontade", observou Vera Mantero, defendendo uma maior "articulação entre Estado e autarquias, para que o que é promovido a nível central o seja, também, a nível local".
A bailarina e coreógrafa - que gosta de transportar elementos de outras artes para a sua - apontou o dedo, igualmente, à "falta de autonomia das equipas de programadores em relação aos municípios". E não só: "Há muito o discurso 'o meu público não vai gostar disso'. Só vai gostar se se promover!".
Acresce que, na opinião de Vera Mantero, "o público português, como qualquer público, está muito sujeito a tudo aquilo que é mais comercial", fruto do "momento materialista" presente. "O que tem a ver com valores, sensibilidades, construções um pouco mais complexas das coisas, o que não apela para o que enche o olho, é muito menos oferecido", suspirou.
Nota, ainda, para o excesso de informação e para a "informação-lixo", tomando como exemplo o Facebook: "As pessoas estão ali ocupadas com uma coisa que é ficção da comunicação. Até isso pode impedir o público de ir usufruir do objecto artístico em si. Se calhar, até leu alguma coisa sobre este programa, em Coimbra, mas não foi ver".
No entender de Vera Mantero, é preciso "formar público para a dança contemporânea". Em certa medida, é esse o objectivo da sua residência artística em Coimbra, a convite da Escola da Noite, companhia responsável pela gestão e programação do Teatro da Cerca de São Bernardo. Do Prémio Gulbenkian Arte 2009 espera, apenas, que "crie curiosidade". "Se eu não tivesse ganho o prémio, estaria, na mesma, aqui".
Ao longo de uma semana, haverá espectáculos e actividades diversificados. Contam-se quatro solos, um concerto, dois filmes, uma conferência, uma exposição e um centro de documentação, além de sessões especiais, um ateliê e um workshop destinados ao público escolar. "São um empurrão para fazer o público mais jovem ir ver estas formas de dança, pô-lo a mexer, a trabalhar com os materiais", clarificou Vera Mantero. O programa pode ser consultado na Internet (http://weblog.aescoladanoite.pt).